segunda-feira, agosto 16


cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias.
Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. 
E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. 
Abismos marinhos, sargaços. 
Minhas mãos escorrem pelo teu peito. 
Gramados batidos de sol, poços claros. alguma coisa então pára, todas as coisas param. 
Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui do fundo da cidade escura. 
Olho no poço do teu olho escuro, meia-noite em ponto. 
Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. 
Quero ficar assim, no parado. 
Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. 
Torre fulminada, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não está completo sem o outro. 
Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãos invisíveis pelos quatro cantos do quarto. 
Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. 
Fico tosco e você se assusta com minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.

Caio Fernando Abreu

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